"Minh'alma é triste como a voz do sino
Carpindo o morto sobre a laje fria;
E doce e grave qual no templo um hino,
Ou como a prece ao desmaiar de um dia.

Se passa um bote com as velas soltas,
Minh'ahna o segue n'amplidão dos mares;
E longas horas acompanha as voltas
Das andorinhas recortando os ares."

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Embaixo do cobertor


Num início de tarde qualquer, numa segunda-feira, ela havia acabado de chegar da escola e estava cheia de tarefas a fazer, mas algo indescritível quase a obrigava a sair. Não sabia definir; não era obrigação, muito menos vontade. Seguindo seu instinto, foi-se aventurar na calçada da praia.
Já ele, que não ligava muito para as obrigações, havia perdido a hora da escola e acordou na hora em que deveria sair de lá. Para não perder o dia, decidiu pegar seu skate ir à praia para espairecer a cabeça.
Andando em sentidos opostos, esbarraram-se. Ele suado e segurando e skate, e ela, perfumada e com o olhar perdido, andando sem rumo. Foi ali e naquele momento que a crença no acaso havia sido exterminada: algo os uniu.
Congelaram o olhar no fundo dos olhos de cada um e assim permaneceram durante alguns segundos. Quando voltaram à realidade, cumprimentaram-se com um simples 'oi' e começaram a andar na mesma direção. O assunto fluia... a vida, os gostos e as manias eram reveladas nos intervalos, entre as risadas e as conversas sérias.
A partir dali, eram lei os encontros na praia à tarde. E assim ocorreu durante, mais ou menos, dois meses. Quiseram evoluir, mas o medo não deixava. Ela se apresentou a ele como uma menina rica, religiosa e de muita etiqueta. Ele, caseiro, que dava valor à família e extremamente responsável. Não havia razão para não acreditar, mas não era totalmente verdade como um se mostrava ao outro.
Eles não viam, mas era tudo preto e branco, com imagens distorcidas... as palavras eram proferidas com tanta convicção que até eles mesmos acreditavam ser verossímeis. Além disso, parecia que ambos usavam óculos escuros; os olhos tinham de estar vendados para não transparecerem que estavam lidando com outra pessoa que não era o que dizia ser.
Com o passar do tempo, este fato começou a incomodar, a tirar o sossego de ambos, a não terem as mesmas noites bem dormidas de antes. Eles se amavam. Mas amavam outra pessoa, uma pessoa apresentada que não existia. Numa mesma noite, eles decidiram contar a verdade na próxima praia à tarde para que esse pesadelo tivesse, mesmo que triste, um fim. Assim ocorreu.
Na tarde mais chuvosa do ano, no calçadão, completamente encharcados, um mal conseguia ver o outro, contaram um ao outro quem realmente eram. Agora, tudo parecia melhor, mais suave e mais verdadeiro. Só que um pensamento era inevitável na cabeça dos dois:
"O que impede de não estar acontecendo de novo? O que vai me garantir que o que foi dito é realmente verdade? Nunca se saberá."

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