"Minh'alma é triste como a voz do sino
Carpindo o morto sobre a laje fria;
E doce e grave qual no templo um hino,
Ou como a prece ao desmaiar de um dia.

Se passa um bote com as velas soltas,
Minh'ahna o segue n'amplidão dos mares;
E longas horas acompanha as voltas
Das andorinhas recortando os ares."

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Três focos

Era uma família comum, de classe média, composta de pai, mãe e filho. O pai, saía todos os dias bem cedo para trabalhar, a mãe lecionava em alguns turnos e o filho tinha apenas o compromisso de estudar. Típica rotina das famílias de hoje em dia: o homem trabalha, a mulher trabalha e cuida da casa ao mesmo tempo e o filho estuda e auxilia em poucos aspectos a mãe.
No entanto, quando a rotina cansa, o estresse fala alto. Quando o estresse fala alto, tudo é motivo para brigas. A rotina cansou, o estresse falou e a briga se desencadeou. Ela não aguentava ser sobrecarregada, tinha de trabalhar e de cuidar da casa sozinha, como uma escrava, e o filho sequer oferecia ajuda. O outro, cansado de tanto trabalhar e perceber que o filho dava valor nenhum ao dinheiro que recebia. O estudante rebatia, gritava que ele já fazia a parte dele, que era estudar, e que não possuía obrigação alguma em afazeres domésticos. Quanto ao dinheiro, ele sabia que o pai podia dar e achava que era gasto apenas com o necessário.
Num dia, a mãe decidiu deixar de realizar os afazeres domésticos e o pai parou de trabalhar. O mais prejudicado foi ele, o pobre menino que não dava valor ao que tinha. Gastava em excesso com o supérfluo, não conseguia mais viver sem uma vida de luxo. Só se sente falta daquilo que conhecemos. Não imaginava que era difícil para a mãe fazer um simples almoço ou uma janta. Só se percebe o verdadeiro valor das coisas pequenas quando estas não são mais feitas, ou desaparecem.
Era difícil reconhecer que o erro era dele. Decidiu pedir desculpas, fê-lo, aos prantos, mas o fez. Qualquer um viu que todos eles haviam exagerado nas atitudes, mas antes pecar pelo excesso do que pela omissão.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

À primeira e à última

Domingo não é dia de sair de casa. Este pensamento arcaico era lei para um jovem menino de pouca idade. Porém, sua mãe insistia para que ele fosse a um lugar a que ele não estava com a mínima vontade de ir. De tanto que insistiu, ele aceitou. Foi.
No caminho, que era longo, o arrependimento tomava conta daquele menino. Mas já era tarde para ir embora... tinha que ficar até o final e, para não irritar a mãe, sem reclamar.
Chegando lá, tumulto. Aquilo desagradou mais ainda o menino que queria apenas ficar em casa descansando para segunda-feira. Mas uma formiga chamou atenção dele e roubou todos os olhares que ele ainda teria. Era tudo que precisava para alegrar aquela tarde de domingo. Durante o evento, os olhares não paravam... nada além daquela formiga merecia a atenção dele. Estava apaixonado e não sabia como aquilo poderia acontecer assim... e logo ali! Infelizmente, a coragem não era suficiente para ir até e falar, pelo menos cumprimentar e, talvez, manter um contato... quem sabe não nascia ali uma grande fábula do amor? Não fazia sentido, seria tachado de louco. No fim, quase na hora de ir embora, chegaram muito perto um do outro. O olhar dele e da formiga eram fixos um no outro, com pouquíssimos desvios. Mesmo assim, só ficaram no olhar.
Finalmente era a hora de ir embora... nunca uma tarde de domingo havia sido tão boa longe da cama e do descanso. Ele tinha certeza de que estava apaixonado e que não podia deixar passar como água escorrendo nos dedos, fluindo para outro lugar. Não houve força para falar. Mesmo apaixonado, o medo e a incerteza falavam bem mais alto e assim mesmo ficou. Foi um amor à primeira e, amos mesmo tempo, à última vista. A formiga retornou ao formigueiro.